Na homilia de domingo, padre
Bruno salientou a intercessão em suas palavras.
Devemos interceder uns pelos
outros, faz parte da comunhão cristã, da vida em comunidade, da vontade de
Deus. E neste pensamento surgiram em suas palavras as realidades eternas do céu,
do inferno e do purgatório, realidades que nos causam ora medo, ora a alegria
da possibilidade da visão de Deus. É justamente sobre isto que gostaria de
falar aqui no blog para ajudar muitos irmãos e irmãs, tentando esclarecer
dúvidas, temores.
Do céu e do inferno, embora
haja dúvidas, temos uma compreensão mais tranquila. Para céu, estamos nos
referindo à amizade eterna com Deus, ao reino dos céus, ao reino de Deus,
paraíso, visão de Deus, participar da vida plena que o próprio Pai do Céu nos
dá pelo seu Filho ressuscitado. Para inferno, é a existência na contradição, morte eterna, a negação da
comunhão com Deus, a ausência da comunhão com o Pai, a imagem invertida da
glória, o supremo sofrimento pela ausência de Deus. Numa imagem dos dias de
hoje para compreendermos o fogo do inferno é como uma depressão profunda eterna,
uma solidão sem fim, uma melancolia sem cura, um trágico fracasso da existência
humana.
Tudo isto busquei dos textos
sobre escatologia de Dom Henrique Soares da Costa, Bispo auxiliar de Aracaju. E
deles, tentarei ilustrar o que devemos entender por purgatório, tema maior
deste meu texto e que é motivo de muitas dúvidas e de entendimento equivocado.
Na certa, nossa alma não
fica dormindo após a morte. Ela fica, mesmo antes da ressurreição final, no
corpo de Cristo ressuscitado, que é a Igreja celeste, na comunhão do amor,
incorporados plenamente em Cristo Jesus, incorporação iniciada no Batismo. Mas
isto é outro tema, falaremos do estado purgatório, na entrada na vida eterna com
a nossa morte, já que puros para ver a Deus dificilmente nós todos seremos.
Embora nos irmãos
protestantes nos critiquem quando falamos em purgatório, ele é percebido nas
escrituras sagradas e na Tradição da Igreja. Não existe esta palavra na bíblia,
mas passagens nos levam a crer na sua necessidade. No Antigo Testamento aparece
uma constante convicção que somente uma absoluta pureza é digna de ser admitida
à visão de Deus, nada de impuro pode estar diante dEle. No Novo Testamento
existe a mesma convicção. Jesus afirma que os puros de coração verão a Deus e o
Apocalipse diz que nada profano entrará na nova Jerusalém. Então, como vamos
nos purificar? Quando cometemos pecados, na confissão somos perdoados, mas a
pena fica. A consequência de nossas faltas permanece. E quanto mais fazemos
esses pecados leves, mais fracos ficamos no vício. Assim, sempre teremos uma
purificação a fazer para alcançarmos o reino de Deus. É aí que entre o estado
purgatório, que precisa ser bem compreendido. Afinal, como devemos entender o purgatório?
Pergunta em seu texto Dom Henrique. E ele magnificamente nos ensina dentro da
nossa igreja católica:
“Vamos partir de uma
belíssima imagem do Apocalipse, que descreve o Cristo ressuscitado: “Os olhos
eram como chamas de fogo. Os pés, semelhantes ao bronze incandescente no forno,
e a voz, como a voz de muitas águas” (Ap 1,14b-15 cf. Dn 10,6).
Morrer é partir para estar com
Cristo, para encontrar aquele que “tem os olhos de fogo”, quer dizer, que nos
vê como somos. No nosso encontro com ele, este fogo do seu olhar amoroso, fogo
que é o próprio Espírito Santo, nos purificará: tudo aquilo que em nós foi
“poeira do caminho”, aquelas pequenas coisas que ainda nos atrapalhavam e
impediam que fôssemos totalmente livres, serão “queimadas”, purificadas no
abraço final que Cristo nos dará! Então, compreendamos bem: o purgatório não é
um lugar, nem está entre o céu e o inferno! O purgatório é a purificação que
recebemos logo após a nossa morte, quando o abraço amoroso de Cristo nos
envolve no fogo do seu amor! A gente passa pelo purgatório logo após a morte,
caso ainda tenhamos aqueles apegozinhos, aquelas escravidõezinhas, aqueles
pecadinhos de estimação.... Cristo completará em nós a obra começada. Mas,
atenção: não é que a gente vai se converter depois da morte! Nada disso! Com a
morte acaba nossa possibilidade de escolha: o purgatório é para quem escolheu o
Cristo, viveu com ele, mas ainda tinha as pequenas incoerências de cada dia!
Quem escolheu viver longe de Cristo não experimenta o purgatório, mas, ao
contrário, viverá para sempre na contradição.
E as famosas penas do purgatório?
Tratam-se simplesmente da dor, do sofrimento por ver que não amamos o bastante
o Senhor. Quem é amado e descobre que não correspondeu a este amor como devia,
sofre! Assim, o sofrimento do purgatório não é algo que Deus nos impõe, mas
algo que vem da nossa própria imperfeição, da dor de não ter amado o bastante.
E para que rezar pelos mortos que
passam por este estágio purgatório? Já vimos que a Bíblia atesta a oração pelos
mortos: trata-se de uma expressão belíssima da solidariedade dos membros do
Corpo de Cristo: os mortos não cumprem seu destino de modo solitário, mas
inseridos no Corpo do Senhor. A Igreja da terra está unida à Igreja que se
purifica: o amor de Cristo nos uniu! Inseridos no Corpo de Cristo pelo Batismo,
jamais estamos isolados, jamais estamos sozinhos! Mais ainda: neles, a Igreja
mesma se purifica para ser Igreja glorificada!
Uma última questão: se o purgatório
acontece imediatamente após a morte e ninguém “fica” no purgatório, mas “passa”
logo e pronto, para quê, então, rezar pelos mortos? É que para Deus não há
tempo; tudo para ele é presente: a oração que fazemos hoje serve para um irmão
nosso que já morreu há cem anos!
Assim, rezemos pelos nossos mortos.
Às vezes a gente escuta dizer na missa: “pelas almas do purgatório...” O que
significa isso? Simplesmente: “pelos nossos irmãos que se purificam...” Rezamos
para que sintam nossa solidariedade, já que a Igreja é a comunhão dos santos
(=dos batizados), todos unidos no Corpo de Cristo ressuscitado.
É muito errado fantasiar o
purgatório, pensando que é um lugar, ou que lá se está sofrendo castigos, ou
que alguém fique lá por uns tempos... Na outra vida não há tempo como aqui,
nesta vida! Cuidado com as afirmações tolas e infantis!
Uma coisa é certa: somente
purificados de nossas incoerências poderemos estar com Aquele que é a Verdade.
Se não arrancarmos nossos pecadinhos de estimação aqui, o Senhor vai
arrancá-los no momento de nosso encontro com ele! E que dor saber que não fomos
generosos o bastante! É isto - e só isto - que a Igreja quer dizer quando fala
em purgatório!”
Napoleão